domingo, 8 de dezembro de 2013

ACRE: REPORTAGEM DE O GLOBO - NA TERRA DE CHICO MENDES, BORRACHA PERDE ESPAÇO PARA PECUÁRIA E MOTOSSERRAS

XAPURI (AC). Durante curso recente de formação de lideranças no Acre, um jovem seringueiro foi convidado a expressar, em desenho, o que pensava sobre o futuro da Reserva Extrativista Chico Mendes, um bolsão verde de 970 mil hectares que atravessa seis municípios e simboliza a luta ambientalista no estado. O rapaz, de uma comunidade tradicional da floresta, não hesitou: em traços rápidos, desenhou um prédio.

A reserva é um dos legados da tragédia de 22 de dezembro de 1988, quando um tiro de escopeta encerrou, em Xapuri (a 175km de Rio Branco), a luta de Chico Mendes contra a destruição nos seringais do Acre. Ele acreditava que a sobrevivência do caboclo dependia da mata em pé. Vinte e cinco anos depois, este sonho padece sob a pata do boi e a lâmina das motosserras. Enquanto a borracha sucumbe à lógica de mercado, a pecuária, a extração de madeira e a modernidade conquistam corações e mentes dos povos da floresta, incluindo seringueiros que lutaram ao lado de Chico.
Até a entidade que o líder seringueiro presidia quando assassinado admite agora como sócios dois filhos do pecuarista condenado por matá-lo. Guinaldo e Darlyzinho, filhos de Darly Alves da Silva, punido com 19 anos de prisão por ter sido o mandante do crime, estão entre os 3.500 sócios do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. O atual presidente, José Alves da Silva, disse que não havia como barrar os dois irmãos, já que preenchiam todas as exigências legais de sindicalização. Com o aval do sindicato, Guinaldo e Darlyzinho passaram a ter acesso a linhas de crédito rural.
— “Chico Mendes era um defensor da floresta. Mas não era o dono do sindicato. O sindicato pertence aos associados. Não vimos motivos para eles (filhos de Darly) não serem sócios” — argumentou o presidente.
Produção de 12 mil toneladas em 1990 despencou para 470 toneladas em 2012
Alves da Silva, um ex-seringueiro de 36 anos, disse que a chegada da pecuária na região representou o declínio da borracha. “Hoje, afirma o dirigente, apenas 10% dos filiados à entidade continuam extraindo o látex, cujo principal comprador local é a fábrica de preservativos masculinos Natex, construída pelo governo estadual em Xapuri. A criação de gado, no entanto, mobiliza 80% dos associados e consolida-se, de longe, como o carro-chefe da economia da região, secundada pela indústria madeireira”.
O que está acontecendo hoje no Acre não tem nada a ver com o sonho de Chico Mendes, mas com o seu pesadelo” — lamenta o cientista social Élder Andrade, professor da Universidade Federal do Acre (UFAC).
O drama a que se refere Andrade pode ser medido pelos indicadores econômicos do estado. Dados do IBGE sobre extração vegetal informam que em 1990, logo após a morte de Chico Mendes, o Acre produziu 12 mil toneladas de borracha natural. Em pouco mais de duas décadas, a quantidade encolheu para 470 toneladas anuais (2012). Na contramão desse ocaso, um estudo de Élder Andrade revela que a pecuária extensiva de corte e a exploração de madeira praticamente triplicaram em uma década. O rebanho bovino passou de 800 mil para quase três milhões de cabeças. A produção de madeira saltou de 300 mil para um milhão de metros cúbicos anuais.
Ao contrário da borracha e de outros produtos naturais, cujo mercado paga pouco e a longo prazo, uma novilha ou tora de madeira retirada clandestinamente é remunerada à vista. Um quilo de látex rende ao seringueiro R$ 7,80. A lata de 18 quilos de castanha vale R$ 23 — as cooperativas pagam um pouco mais aos fornecedores de castanha, mas só na safra seguinte. Já um bezerro recém-nascido pode render ao seringueiro R$ 300, sem que ele tenha de cumprir as jornadas exaustivas de trabalho na mata.
A madeira ilegal segue a mesma lógica. Se o mercado oficial paga por metro cúbico certificado no Acre R$ 60, o mesmo produto, retirado clandestinamente, pode render até R$ 350. As espécies mais procuradas são o cumaru, a garapeira, a mirindiba, o cedro-rosa e a cerejeira. O ipê, mesmo em áreas protegidas, já está próximo da extinção.
Não somos contra a preservação, mas defendemos o direito das famílias daqui à sobrevivência. Está provado que as grandes poluidoras do planeta são as grandes mineradoras e a indústria petrolífera. Ninguém é reprimido. Quem tem de pagar, então, é o pequeno produtor do Acre?” — critica Alves da Silva, do sindicato de Xapuri.
Brasiléia: 32 marcenarias e nenhuma área de extração legal
Em tese, a indústria moveleira do Acre só está autorizada a trabalhar com madeira certificada, procedente de áreas de exploração regularizadas. Porém, a engenheira agrônoma Silvana Lessa, chefe da Reserva Extrativista Chico Mendes (governo federal), alertou que Brasileia, cidade vizinha à de Xapuri e onde Chico Mendes iniciou a carreira sindical, abriga 32 marcenarias sem que exista, em toda a região, uma única área de extração madeireira legalizada.
Brasileia é também o município do Alto Acre onde Osmarino Amâncio, o serigueiro que chegou a ser apontado como sucessor de Chico e foi capa da revista americana “Newsweek”, mantém a sua área ou “colocação”, a Pega Fogo, no seringal Humaitá. No passado, era um dirigente conhecido pelos discursos radicais. Hoje, pelos resultados da fiscalização da reserva, Osmarino tornou-se um dos maiores fornecedores de madeiras ilegais da região. Foi punido, segundo Silvana, com “multa gigantesca”, devido a 200 toras apreendidas. Processado judicialmente, Osmarino nega o corte ilegal e se diz vítima de perseguição política.
Criada em 1990, a reserva extrativista de quase um milhão de hectares tem só sete funcionários para fiscalizá-la. Dentro dela, vegetais e animais silvestres dividem espaço com dez mil pessoas e pelo menos 20 mil cabeças de gado. O último levantamento, em 2010, apontava 7% de área devastada. Mas Silvana Lessa admite que a extensão pode ser maior. Seus funcionários já descobriram dois policiais civis loteando áreas da reserva e vendendo-as ilegalmente em Brasileia, com anúncios nos jornais. Nos seringais Nova Esperança, Santa Fé e Rubicom, o desmate já ultrapassa 50% do território.
Alguns desses loteamentos clandestinos, que têm até registro em cartório, se parecem com vilas rurais. Ali, um hectare de terra custa até R$ 1 mil” — lamenta Silvana.
Tom Sérgio, do Blog Jordão em Foco

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